O ano de 2019 não começou bem para a defesa da vida. No primeiro dia de janeiro, entrou em vigor a nova legislação irlandesa: o país que até então proibia o aborto em quase todos os casos legalizou a prática de forma indiscriminada até a 12.ª semana de gestação, atropelando inclusive a objeção de consciência no caso das instituições guiadas por um ethos pró-vida, que não podem se recusar a fazer abortos em suas dependências – o direito ficou garantido apenas aos médicos e profissionais de saúde individualmente. No fim de janeiro, em um único dia, a Câmara e o Senado do estado americano de Nova York aprovaram, e o governador Andrew Cuomo sancionou uma lei ampliando as possibilidades em que o aborto pode ser realizado no trimestre final da gestação. Mas outros lugares têm colecionado vitórias recentes – ainda que parciais ou temporárias – para a vida dos nascituros.
No dia 15 de maio, a governadora do estado do Alabama, Kay Ivey, assinou uma nova lei que proíbe o aborto em todos os casos, exceto quando a vida da mãe está em risco. Geórgia, Kentucky, Mississippi e Ohio aprovaram e sancionaram leis proibindo o aborto a partir do momento em que se pode detectar batimentos cardíacos no bebê, o que ocorre entre a quinta e a sexta semana de gestação. No Missouri, o governador Mike Parson prometeu sancionar em breve a proibição aprovada pelo Legislativo estadual no dia 16, que também estabelece a presença de batimento cardíaco como critério para proibir o aborto. Militantes pró-aborto prometem batalhas judiciais que podem terminar na Suprema Corte, que em 1973 decidiu que o aborto deveria ser legal em todos os estados pelo menos até o momento em que o feto se torne viável. A possibilidade de judicialização das novas leis não desagrada totalmente o movimento pró-vida, que vê uma oportunidade de finalmente derrubar Roe v. Wade, depois que o presidente Donald Trump nomeou dois juízes de perfil mais conservador para a Suprema Corte.
Apenas a ação do Legislativo pode garantir que ministros do STF favoráveis ao aborto parem de tomar para si o papel de legisladores, ameaçando a vida dos mais inocentes e indefesos entre os seres humanos
O Judiciário também está envolvido em uma vitória parcial da vida no Brasil. No dia 9, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, tirou da pauta da corte a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5581, que deveria ser julgada nesta quarta, dia 22, e pedia a liberação do aborto para mulheres infectadas pelo vírus zika, o que pode levar o bebê a desenvolver microcefalia. Caso o Supremo aceitasse o pleito contido na ADI 5581, estaria não apenas invadindo – mais uma vez – a competência do Poder Legislativo, mas estaria implantando uma “eugenia preventiva” no Brasil, em acréscimo à eugenia aprovada em 2012, quando o STF liberou o aborto em casos de anencefalia. Isso porque a ADI 5581 pretende que as gestantes com zika possam abortar seus filhos independentemente de haver ou não um diagnóstico de microcefalia – condição que, aliás, não é nem de longe incompatível com a vida.
O adiamento do julgamento da ADI 5581 amplia as janelas de oportunidade para que o Congresso finalmente aprecie e aprove iniciativas valiosíssimas para a defesa da vida no Brasil. Dos diversos projetos que estão na Câmara e no Senado, dois merecem atenção especial. Um deles é o Estatuto do Nascituro (PL 478/2007), cujo relatório, de autoria do deputado Diego Garcia (Podemos-PR), está pronto para ser votado na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara. No Senado, tramita a “PEC da Vida”, apelido dado à PEC 29/2015, que inclui a expressão “desde a concepção” no artigo 5.º da Constituição. O texto, no entanto, ainda precisa ser refinado para que não acabe consagrando um suposto “direito ao aborto” entre as cláusulas pétreas, nos casos de risco de vida para a mãe e gestação resultante de estupro, os casos em que a lei não prevê punição.
Como a Gazeta do Povo já explicou neste espaço, a mera inclusão da expressão “desde a concepção” não alteraria em nada a política penal prevista pelo artigo 128 do Código Penal, pois não se pode criminalizar o que já é crime. Mas, diante da preocupação – equivocada, mas compreensível – de alguns senadores com a possibilidade de essas excludentes de punibilidade serem revogadas, costurou-se um acordo para incluí-las no artigo 5.º da Carta Magna. Se realmente esta for a única chance de a PEC 29 ser aprovada, que o novo texto deixe claro que o aborto é sempre ilícito, excluindo-se apenas a pena, e não o crime, nos casos citados.
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Nossas convicções: A defesa da vida desde a concepção
Especialmente relevante nos esforços legislativos relativos à defesa da vida é o fato de os projetos não se destinarem apenas a proteger o nascituro, mas também a mãe. No debate sobre o aborto, as duas vidas importam, e a nova leva de textos em tramitação no Congresso faz questão de lembrar disso, oferecendo oportunidades às mães em situação vulnerável durante a gestação e depois do nascimento do filho.
O Congresso, no entanto, não pode perder tempo. A ADI 5581 foi retirada de pauta por ora, mas pode voltar. E o grande perigo para a vida no Brasil, a ADPF 442, que pede a legalização do aborto em todos os casos no primeiro trimestre de gestação, segue na corte, com relatoria de Rosa Weber, que já mostrou suas tendências no episódio da audiência pública convocada por ela para discutir o tema. A ala do STF que acredita no ativismo judicial não está disposta a perder a corrida, e apenas a ação do Legislativo pode garantir que ministros favoráveis ao aborto, como Luís Roberto Barroso, parem de tomar para si o papel de legisladores, ainda mais em matéria tão importante quanto a vida dos mais inocentes e indefesos entre os seres humanos.
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